Dizia assim o Pássaro Azul, pousado num ramo do pinheiro. Andou chilreteando, a saltitar de galho em galho, no bosque matinal. Dizia assim, mas só pensado para ele, em gorgeios do mais fino metal. Se não fossem estes pinheiros floridos, e as giestas em fogo, eu não estaria aqui a cantar as minhas palavras, neste arroubo de luz. E ledo estou, e tão feliz, no oiro desta manhã, no perfume das dunas. Passa esta brisa sem rumo, macia e breve, e podia deter-se um momento que fosse, apenas o pingo dum instante.
Parasse ela, e ouviria enlevada os sons que me chegam do bosque, estas harmonias serenas, a caruma a cair dos pinheiros, leve e leve, filiforme, a suspender-se, quase invisível. Mas não. A brisa sem pressa há-de seguir sempre, sem nem um rumor, dedilhando ramos e flores silvestres, como se fora um sorriso de Pã. E levanta-se o sol, irrompendo por entre a calma da manhã, e há uns leves flocos de algodão que o escondem por vezes do meu olhar. Não será bem o sol, é talvez um balão colorido que alguma criança, ou um anjo descuidoso, acendeu nos confins lá do céu. E até a brisa nem será mesmo a brisa, é a natureza e o seu respirar, acorda na manhã deste Maio de luz, é o morno bocejo de quem desperta devagar.
Dizia assim o Pássaro Azul, que chilrreteia de galho em galho, aos upos e upos. E tão luminoso é o Pássaro Azul! Se eu fosse a Borboleta Lilaz, havia de pousar nas pétalas das flores transparentes, e tão ligeira que mal poderia com o sopro do pólen e se ruboriza. Voaria na luz da manhã, sereníssima e vária, sem nem um rumor, nem flébil vontade, doidejando acasos de luz, e muito sensual. Eu invejo a Borboleta Lilaz, que voa e voa, e também a Joaninha Sarapinta dos campos.
Dizia assim o Pássaro Azul, cansado talvez de chilretear em cada seu canto do bosque, e mais vai acordar o silêncio da manhã, estremece-a de mil e tantas maravilhas sonoras, e do azul das asas, e dos gorjeios saltitados e puros. Gostaria que saíssem agora das locas e luras os bichos ainda adormecidos: a Raposa Matreira e o Porco Montês, o Coelhinho Inocente, que às vezes deambulam a medo na floresta, e tão cautos e tão recolhidos, e tão em silêncio, que nem hão-de magoar o musgo do chão.
Idalécio Cação